De acordo com o sociólogo alemão Max Weber, todas as ações humanas são dotadas de sentido subjetivo, isso significa que quando agimos temos intenções, interesses, valores, etc. E isso também serve até para a escrita do nosso passado. Assim, escrever sobre a “Independência do Brasil” é dizer algo além da transcrição factual dos acontecimentos. É preciso entender os interesses de quem produz essas narrativas do passado.
Nos livros de História e de Sociologia, é recorrente, quase uma regra geral, compreender a Independência do Brasil como aquela mitológica e heroica narrativa do Grito do Ipiranga em que D. Pedro I, em 7 de setembro de 1822, libertaria oficialmente o Brasil do domínio português. Naquele ano, todavia, o significado histórico dessa ação não era tão claro e, pelo menos até o final do mesmo ano, contemporâneos deram pouco significado à data.
De acordo com a historiadora Maria de Lourdes Viana Lyra com a aclamação do imperador em 12 de outubro e sua coroação, que ocorrera em 1º de dezembro, foi construído um consenso historiográfico que heroicizou e supervalorizou o Sete de Setembro. Porém, demorou algum tempo para que a data que hoje é feriado se tornasse o dia da independência do Brasil e de que a data não tinha grande significado senão bem depois de 1822.
Gottfried Heinrich Handelmann, historiador alemão, observou que “a princípio não se lhe ligou tanta importância como depois”. Uma série de outros historiadores tem destacado, recentemente, a pouca atenção que a imprensa do Rio de Janeiro despendeu aos eventos do 7 de setembro de 1822 nos anos subsequentes à independência, a ausência da data em uma lista de dias de gala da corte publicada em dezembro e a inexistência de comentários no Correio Brasiliense (um dos principais periódicos da época). Tal fato é, pelo menos curioso, porque há uma atribuição exagerada construída ao evento.
Um dos maiores responsáveis por essa construção foi Pedro Américo, político e professor brasileiro, além de ser um dos mais importantes pintores acadêmicos do Brasil. Em sua tela “Independência ou Morte” (1888), o pintor trata de uma construção de identidade nacional apresentando uma visão gloriosa do passado brasileiro.
O impacto causado pela obra de Pedro Américo fez muito mais do que apenas agradar críticos. Agradou os republicanos que necessitavam construir um passado para o Brasil e, assim, a sua pintura se tornou a imagem mais conhecida e reproduzida a respeito da Independência Brasileira através do último século, tanto que ela se fixou no imaginário social na construção dessa identidade nacional.
Portanto, a narrativa do 7 de setembro foi reconhecida como o dia da Independência do Brasil em 1823 e que sua celebração ganhou relevância em todo território nacional anos após o suposto evento ocorrer (as fontes e registros não são tão claros para essa comprovação), apesar de o 12 de outubro ter permanecido o “dia de festa nacional” mais importante na maior parte da década.
Por fim, para se compreender como se processa as comemorações que giram em torno da memória popular de um povo, no sentido regional ou nacional, deve-se levar em conta as suas tradições, construções, reconstruções e até mesmo desconstruções, para romper com leituras esquemáticas e simplistas do passado. Me parece que o historiador francês Jacques Le Goff, ao dizer que “a história viveu sob o imperialismo da escrita” faz muito sentido pois quem a escreve sobre o passado se orienta a partir dos seus interesses do presente.
Prof. João Gabriel da Fonseca
Professor de Sociologia do Colégio Dinâmico. Autor dos livros: “Introdução à História da Filosofia: debates e temas” (2020 – no prelo); “A destruição do Leviatã: critica anarquista ao Estado” (2014); “Escritos sobre a imprensa operária da Primeira República” (2013); “Educação e anarquismo: uma perspectiva libertária (2012)”.
Referências bibliográficas
HANDELMANN, Gottfried Heinrich. História do Brasil 2 vols. Tradução do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: IHGB, 1931.
LYRA, Maria de Lourdes Viana. Memória da Independência. Marcos e representações simbólicas. Revista Brasileira de História, São Paulo, n.29, p.177-89, 1995.
LE GOFF, Jacques, História e memória. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.
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